segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Um dia preguiçoso (por Murilo Menezes)


Um amanhecer... , um entardecer ...

Quantos vôos nos mexeu com a emoção e nos fez ver, com os ingênuos olhos da alma, muito além do presente ...
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O dia amanheceu preguiçoso, daqueles que lamentamos não termos o corpo quadrado para se ter mais lados para se virar na cama - só o direito e o esquerdo são insuficientes para dar vazão a tanta indolência - tudo provocado por uma chuva fina e melancólica que já vinha desde a madrugada e parecia nunca mais ter fim. Doce engano. Aquela água miúda foi-se esvaindo e o fim da tarde foi esplendoroso.

Céu azul com riscos de nuvens brancas como se fossem fiapos de algodão ao sabor dos ventos; uma aquarela de cores refletindo o por do sol no firmamento e eu, de "Pata Choca" - meu carismático ultraleve, dançando suavemente nas alturas dos céus de Porto Velho, com um friozinho gostoso proporcionado pela umidade que ainda teimava em ficar, deslizando ao sabor de nossa própria vontade.

Sentado em meu aconchegante "cockpit", ouço o ronco alto e forte do motor que me tira do solo para saciar esta mágica liberdade de sermos homens-pássaros.

Foi uma deliciosa delícia. Redundância? Não, apenas o reforço para confirmar a maravilhosa sensação de voar. Existem momentos, e aquele foi um deles, que se tem a impressão de que por mais um pouco e estaremos falando diretamente com Ele, tal é o grau de elevação espiritual que nos contempla.

Para um lado, para o outro, para cima, para baixo, perdas, volteios e rasantes, tudo aumentando o prazer de estar solto e livre na companhia aconchegante do ronco forte e macio do motor que nos impulsiona rumo aos nossos próprios desejos.

Nada pode se comparar a emoção de voar. É algo tão sublime que é por isso que Deus não deu asas ao homem - ainda estamos num estágio muito primitivo para alcançarmos esta graça.

O tempo passa rapidamente e o céu fica de um vermelho exuberante. É o sol que se vai, nos ensinando o ciclo da vida - a cada momento que aqui está morrendo, neste mesmo momento, esta nascendo em algum outro lugar.

O vento que nos toca o rosto vai esfriando: são 55 milhas para o lugar nenhum. O altímetro marca 1.000 pés de qualquer coisa, pois esta muito acima da rotina e abaixo dos sonhos que o momento nos traz. As luzes da cidade vão-se acendendo. Pequenos faróis dos carros que trafegam parecem vaga-lumes em marcha unida.

Nariz em baixo, vamos descendo no balé da despedida.

Tocamos o solo, e na mais absoluta e envolvente sensação de paz, conduzindo essa fogosa companheira ao seu "ninho" de repouso.

Agora, já com os pés no chão, é pensar no trabalho do dia seguinte pois o "pau canta" nas costas e sempre dói mais nas dos sonhadores.





Murilo Menezes

é piloto de ultraleves desde 1994,


Representante Regional da Abul, Instrutor e Checador de Piloto Desportivo. (Brasil)

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